Bolas...

...para a privacidade em Portugal

21.11.03

Maioria e BE autorizam Governo a legislar sobre cruzamento de dados: A maioria e o Bloco de Esquerda aprovaram, ontem, um aditamento a um pedido de autorização legislativo do Governo, com vista a permitir o cruzamento de dados entre o Fisco e a Segurança Social, bem como com os dados das conservatórias do registo automóvel e registo predial. O pedido foi considerado inconstitucional pelo PS. O deputado socialista, João Cravinho, classificou durante o debate como "pura e simplesmente inconstitucional" , porque o Parlamento deu uma autorização que o Governo não pediu. Esse expediente tem, todavia, sido usado na aprovação de outros orçamentos.

19.11.03

Mortes em intervenções policiais não param de aumentar: Só este ano morreram seis pessoas na sequência de intervenções policiais com recurso a arma de fogo, em Portugal, quatro das quais em situações de perseguição automóvel. Este número é superior, por exemplo, ao número de mortes ocorridas, nas circunstâncias idênticas, em Espanha - não em doze meses, mas nos últimos cinco anos.
O valor recorde de 2003, que agrava a histórica estatística negra das polícias portuguesas nesta matéria, já fez soar o alerta entre o órgão que investiga estas situações na PSP, na GNR e no SEF. O inspector-geral da Administração Interna, Maximiano Rodrigues apontou ontem o dedo aos responsáveis policiais por não terem um "discurso e uma atitude pública" que reclame um uso "excepcional" das armas.
À margem de uma conferência organizada pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), Maximiano Rodrigues recusou, em declarações ao PÚBLICO, atirar as culpas para os agentes policiais, que "actuam muitas vezes desprotegidos" e sem o necessário enquadramento técnico e táctico dos seus superiores hierárquicos.
Este responsável reclamou ainda a possibilidade de se poderem utilizar armas alternativas, como o "spray" de gás ou armas de descargas eléctricas, já incluídas no arsenal de outros países europeus, como forma de evitar riscos mais dramáticos.
As polícias portuguesas, apesar de actuarem num país relativamente pacífico em comparação com outros estados comunitários, encontram-se no fundo da tabela da União Europeia, como ficou demonstrado nas conferências realizadas ontem, por elementos de polícias estrangeiras, na Escola Prática da GNR, em Queluz.
Em França, onde existem 118 mil agentes armados (em Portugal, entre agentes da PSP e da GNR, são cerca de 45 mil), e onde os níveis de criminalidade são mais elevados, entre 1995 e 2000 sucederam 20 mortes - em média, quatro por ano. Em Inglaterra e no País de Gales, por sua vez, os últimos dados conhecidos, referentes o ano de 2001, dão conta, também, de quatro mortos. Em Espanha, no presente ano, ocorreu só um caso. E na Irlanda da Norte, um país com uma realidade securitária mais próxima da portuguesa, desde 2000 até à data, apenas se registou uma vítima mortal.

14.11.03

Juízes não têm meios para controlar escutas telefónicas: As alterações legislativas ao regime das escutas telefónicas feitas pelos governos do PS não alargaram nem facilitaram o recurso a este meio de investigação, consagrado no código de processo penal desde 1987. Esta tese, que se banalizou na opinião pública depois das escutas feitas ao líder socialista, Ferro Rodrigues, no processo da Casa Pia, e foi alimentada por comentadores, juristas, dirigentes políticos, entre outros, é desmontada pela juiza Maria de Fátima Mata-Mouros no seu livro "Sob Escuta - Reflexões sobre o problema das escutas telefónicas e as funções do juiz de instrução criminal", da editora Principia, que hoje foi posto à venda nas livrarias do país.

10.11.03

Governo poderá avançar com fusão dos serviços de informação: O Governo está a estudar a possibilidade de fundir os serviços de informação, Serviço de Informações e Segurança (SIS) e Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares (SIEDM).
Actualmente, o SIS está sob alçada do Ministério da Administração Interna, por delegação de competências do primeiro-ministro. Está sem director desde o Verão, altura em que saiu Teles Pereira. O SIEDM está na dependência do Ministério da Defesa Nacional, também por delegação de competências. Mudou há precisamente um ano de director depois de ter rebentado uma polémica sobre investigação ilegais. [...]
A par destes dois serviços, existe a DIMIL, a divisão de informações do Estado-Maior General das Forças Armadas, que se destina exclusivamente a produzir informações de apoio táctico a operações militares. A DIMIL não deverá sofrer alterações.

6.11.03

Detidos dois funcionários de um bar das Docas por agredirem elementos da GNR: Dois funcionários de um bar nas Docas, em Lisboa, foram detidos ontem de madrugada, acusados de agressão a três elementos da GNR que estavam de serviço. A GNR confirmou que foi detido um segurança e outro funcionário do estabelecimento, mas remeteu para o tribunal o esclarecimento das circunstâncias em que ocorreram as detenções. De acordo com a PSP, o incidente ocorreu às 3h30 de ontem, quando os funcionários do Bar Hawai barraram a entrada dos três homens no estabelecimento, que posteriormente se identificaram como elementos da GNR e explicaram que estavam naquele local em serviço. "Quando os seguranças do bar pediram aos elementos da GNR os números mecanográficos [identificação militar] acabaram por envolver-se em agressões mútuas", disse à Lusa fonte do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP. A PSP foi ao local, ouviu as duas partes e levou a cassete de vídeo de vigilância do bar, mas as detenções foram efectuadas pela GNR, adiantou a mesma fonte.

Juiz do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem questiona escutas telefónicas: As escutas telefónicas, vigilância por vídeo, investigação sob disfarce e outras formas especiais de obter informações só podem ser utilizadas quando houver fortes indícios e a violação dos direitos humanos estiver em proporcionalidade com o fim procurado. A ideia foi defendida, anteontem à noite, em Coimbra, pelo juiz do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), Bostjan Zupancic. [...]
"Pode fazer-se vigilância por vídeo ou escutas telefónicas? A questão é saber se a intrusão é proporcional ao fim procurado, se justifica a violação do direito do homem", afirmou Bostjan Zupancic, recordando que, de acordo com a Convenção Europeia, a decisão de restringir alguns direitos deve estar em conformidade com a lei nacional. "A escolha [da forma de obtenção de informações] deve ser sempre pre-determinada pela lei de cada país. Resta saber se as legislações são suficientemente concretas neste aspecto", sublinhou. [...]
Questionado sobre o caso português - das escutas telefónicas realizadas no âmbito do processo de pedofilia da Casa Pia -, Bostjan Zupancic referiu que, do ponto de vista da jurisprudência europeia, deve tentar perceber-se se a interferência com os direitos de cada indivíduo respeita a lei nacional. "Se em Portugal a situação está conforme a lei? Bem, se este caso chegasse a Estrasburgo, teria que se verificar uma série de factores, entre eles o direito à privacidade", afirmou, sublinhando que, o mais importante é aferir da necessidade da utilização desses meios, que, defendeu, deve ser o mais restrita possível. "Mas se não houver outros meios para obter essa informação, considerada muito importante...", insinuou.
Confrontado com a questão da divulgação pública das escutas telefónicas que se tem verificado no nosso país, o juiz do TEDH começou por sorrir, defendendo seguidamente a "responsabilização da fonte" dessas escutas. "Em Estrasburgo, proceder-se-ia ao cruzamento da liberdade de expressão e da proporcionalidade", ou seja, avaliava-se o equilíbrio entre a violação do direito em causa - à privacidade - e o fim que se pretende alcançar. "Mas, apesar da exposição pública de um político, como é o caso, este tem direito à vida privada", concluiu.

4.11.03

Ministra revê opinião sobre Comissão de Dados: Após uma polémica com a Comissão Nacional de Dados Pessoais (CNDP) e da proposta de três projectos da oposição, o Governo afirma estar disponível para pedir a autorização do Parlamento para cruzar os dados fiscais e da Segurança Social. Há cerca de um ano, por causa da assinatura do protocolo com a Polícia Judiciária, o Governo tentou decretar sem autorização parlamentar e, posteriormente, pretendeu que o protocolo integrasse o cruzamento de dados com a segurança social, para a qual não tinha pedido autorização. A 22 de Outubro passado, a ministra qualificou a atitude da CNDP como "inaceitável" e pediu ajuda à oposição: "Gostaria que nos pudesse ajudar contra a Comissão de Protecção de Dados Pessoais que não nos tem deixado fazer o cruzamento", afirmou. Ontem, a ministra afirmou reiterar tudo o que dissera. Mas reviu a sua opinião: "Não quero dizer e não afirmei que esses obstáculos a esse procedimento não tinham fundamento do ponto de vista legal", começou por dizer. Os argumentos da CNPD "são cheios de fundamento, razoabilidade, profundamente científicos, técnicos". "Disse apenas um facto: estive nove meses entre conseguir assinar o protocolo e conseguir assiná-lo. Mas não foi possível". E sobre a culpa do atraso no cruzamento, a ministra esclareceu: "Esteve parado noutras mesas, na minha não foi", afirmou, sem esclarecer que mesas eram.

Juíza do Tribunal Constitucional defende fim do segredo de justiça para decisões de tribunais superiores: Fernanda Palma, juíza do Tribunal Constitucional, defendeu, ontem, nas Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, na Faculdade de Direito de Lisboa, o fim do segredo de justiça para decisões de tribunais superiores.
A juíza, que dedicou o seu discurso ao tema "O problema penal do processo penal", considerou que, em Portugal, o processo penal está "profundamente afectado" pelo combate ao crime organizado e pelas "medidas securitárias justificadas" por esse combate. Nessas medidas, incluiu "a flexibilização das escutas e buscas e o enfraquecimento do contraditório, bem como do princípio da imediação".
Fernanda Palma frisou que o "fracasso da prevenção criminal e da investigação criminal não pode ter como substituto uma processo penal inquisitorial". Aos juristas penais "não cabe pensar o processo penal como puro instrumento de combate à criminalidade", mas aprender a analisar os modos sociais de controlar os problemas da criminalidade, com recurso a estudos interdisciplinares e através de uma política social global.
Antes, a magistrada tinha criticado a existência de segredo de justiça relativamente às decisões dos tribunais superiores: "Manter acórdãos e respectivos fundamentos secretos é inaceitável porque põe em causa a função descompressora do conflito realizada pelo processo penal. É necessário que todos possam compreender os critérios de decisão", sublinhou.
Quanto à divulgação das informações deve ficar a cargo do próprio tribunal, "não sendo aceitável que o jornalismo judiciário venha cumprir exclusivamente essa função", defendeu Fernanda Palma.

Magistrados do Ministério Público aceitam desculpas de Pires de Lima: O ex-bastonário da Ordem dos Advogados Pires de Lima apresentou desculpas ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) após a publicação de declarações suas em que compara a actuação do Ministério Público à PIDE e à Gestapo.

Júdice diz que leis são confusas, mal feitas e contraditórias: José Miguel Júdice, bastonário da Ordem dos Advogados, mostrou-se ontem pouco confiante em relação à eficácia e à forma como se fazem as leis e manifestou preocupação face "à cultura da ilegalidade" que a sociedade portuguesa alegadamente valoriza.
"Legisla-se muito e mal. As leis são feitas por alguém que não as aplica, regra geral por jovens, brilhantes, mas jovens, que não têm experiência, que não têm conhecimento do sistema", sustentou Júdice no ciclo "Conversas Notáveis", promovido pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), sob o lema "Justiça num país injusto".
Analisando a mentalidade de um país que caracterizou de "esperto, mas pouco sério, com o povo menos cívico do universo", onde a "investigação criminal é preguiçosa" e "trapalhona", Júdice, num tom assumidamente provocatório, não se cansou de questionar: "O povo quer realmente justiça?". Ao longo de pouco mais de uma hora, ele próprio respondeu à questão. "A nossa sociedade vive tranquilamente com a convicção de que as leis não são para serem cumpridas; valoriza o desrespeito pelas regras", afirmou, acrescentando que "é sempre mais fácil não aplicar as leis do que mudá-las, porque dá trabalho".
O bastonário não se limitou a diagnosticar quatro sintomas da (in)justiça do país: o fenómeno da cunha, a fraude, a falta de seriedade e a indiferença contra os abusos e os crimes. Exemplificou com a cunha que "fez ministros demitirem-se"; a fraude levou a que outros [António Vitorino] fossem "desterrados para a Europa, porque para nós não serviram"; "ou a indiferença dos que não tiveram sentido de justiça para evitar o crime [da criança de Ermesinde]".