Bolas...

...para a privacidade em Portugal

28.8.03

Rui Teixeira e João Guerra querem guarda-costas para afastar fotógrafos: O Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República vai analisar a legalidade da pretensão do juiz Rui Teixeira e do procurador João Guerra que solicitaram que os respectivos seguranças impeçam fotógrafos e operadores de câmara de os filmar ou fotografar. O parecer foi pedido pelo Ministério da Administração Interna (MAI), a quem os dois magistrados do processo da Casa Pia fizeram chegar a sua pretensão de os guarda-costas não só continuarem a zelar pela sua integridade física como também pelo seu direito à imagem.
A pretensão do juiz e do procurador foi transmitida aos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público, que a fizeram seguir para o MAI, através do Ministério da Justiça. E representa uma exigência suplementar à missão de que estão incumbidos os elementos do corpo de segurança da Polícia de Segurança Pública que, desde há vários meses, protegem Rui Teixeira e João Guerra.
Esta situação ocorreu na sequência de um processo que envolveu a análise do grau de risco que pairava sobre os dois magistrados que foi feita pelo Serviço de Informações e Segurança. E as conclusões a que chegaram os "operacionais" da secreta civil acabaram por ser determinantes para o destacamento de guarda-costas em regime de permanência.
O PÚBLICO sabe que um dos magistrados terá mesmo formulado o desejo de a segurança ser estendida a um seu familiar, pretensão que lhe foi indeferida. Agora, o que Rui Teixeira e João Guerra pretendem é que os seus "anjos da guarda", como também são conhecidos os elementos do corpo de segurança da PSP, passem também a preocupar-se com a eventual intromissão de fotógrafos e de operadores de imagem.
Se por hipótese, ambos estiverem a circular num lugar público e forem filmados ou fotografados, os agentes devem correr na direcção dos profissionais da imagem para lhes caçarem o rolo ou a cassete de vídeo. Uma situação que, obviamente, requer o reforço do número de guarda-costas.
Esta situação gera conflitos entre o direito à imagem de duas figuras públicas e o direito à informação, obrigando ainda a equacionar se a protecção do direito à vida dos magistrados inclui a missão de afugentar jornalistas em espaços públicos. E analisar se o facto de ambos exercerem funções públicas num sistema em que a regra é o princípio da publicidade poderá justificar restrições em espaços públicos, tanto mais raras, quanto nunca foram reclamadas, por exemplo, pelos juízes italianos que julgaram processos relacionados com a Mafia.
Tudo isso deverá ser equacionado pelos magistrados da Procuradoria-Geral da República que irão decidir se deve ou não prevalecer o desejo de intimidade na via pública desejado pelo juiz e pelo procurador.
Esta pretensão inédita, nos anais da segurança de personalidades portuguesas, é subscrita por duas figuras que, num passado mais ou menos recente, não se importaram com a divulgação de cenas privadas, nem deixaram sem resposta jornalistas que os abordaram na via pública.
O procurador da República João Guerra viu fotografias do seu casamento (ocorrido nos anos 90) publicadas com grande destaque nas páginas de uma revista semanal, desconhecendo-se se, na altura, adoptou qualquer posição para impedir a divulgação pública de uma cerimónia íntima. O juiz Rui Teixeira foi durante várias ocasiões entrevistado, fotografado e filmado, quando se deslocava entre o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa e o estabelecimento onde ia almoçar ou "tomar um café". [...]
A pretensão do juiz e do procurador vai gerar alguma polémica. Saldanha Sanches, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, em declarações ao PÚBLICO, afirma: "Têm um direito constitucional à privacidade. Se quiserem usar uma 'burka ninguém os pode impedir e os jornalistas têm que respeitar a sua decisão".