Bolas...

...para a privacidade em Portugal

31.10.03

"Não podemos ter mais ouvidos que barriga nas escutas":
P. - Mas permanece a questão do abuso das escutas, ou não?
Maria José Morgado - Eu pergunto-lhe: se durante a investigação de um crime grave de corrupção ou de homicídio, tivesse que escolher entre propor ao JIC escutas telefónicas num certo quadro de pessoas e factos, como única forma de identificar e punir os autores dos crimes, ou deixar de as propor e arriscar a impunidade, o que faria? A resposta só pode ser uma num Estado de Direito. É nesses momentos que se comprimem certos direitos fundamentais. Para salvar outros ainda mais importantes. Não há direitos absolutos. Há é harmonização dos direitos, em cada fase do processo e consoante a gravidade dos crimes.

29.10.03

Ministério das Finanças reafirma esforços para cruzar dados: O Ministério das Finanças já reagiu às críticas da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), reafirmando que pretende "prosseguir com o objectivo de concretizar o cruzamento de dados fiscais e da Segurança Social". [...]
Apesar da aparente contradição, o secretário de Estado do Orçamento, Norberto Rosa, negou que tenham havido desentendimentos na comissão parlamentar conjunta de Economia e Finanças e Poder Local, Ordenamento do Território e Ambiente.
Segundo Norberto Rosa, foi a Comissão Nacional de Protecção de Dados que levantou o problema de que havendo o protocolo com a Polícia Judiciária não poderia ter acesso aos dados da Segurança Social.
João Cravinho, que preside à comissão parlamentar conjunta, disse ter falado com o presidente da CNPD, Luís Lignau da Silveira, que lhe transmitiu a vontade de esclarecer presencialmente a situação.
O Ministério das Finanças já reagiu às críticas da CNPD, em comunicado, reafirmando o "firme propósito do Governo em prosseguir com o objectivo de concretizar o cruzamento de dados fiscais e da Segurança Social".
O gabinete de Ferreira Leite diz-se mesmo "surpreendido com o pretenso desmentido da Comissão Nacional de Protecção de Dados" relativamente a declarações da ministra.

27.10.03

Carta aberta ao Procurador Geral da República por José Miguel Júdice
4. O sistema de escutas telefónicas funciona fora das regras legais que atrás enumerei, visto que o MP não intervém no seu controle técnico, nas transcrições nem na selecção entregue ao Juiz de Instrução Criminal, sendo então este Juiz - nesta matéria e contra o sistema em vigor ? um elemento do processo de investigação, quando deveria estar totalmente fora da investigação. [...]
23. E isto exige seguramente, entre outras diligências e análises, um juízo sobre a personalidade e uma averiguação dos procedimentos de todos os que foram contactados por terceiros, sob escuta ou não, pois se assim não for não se vê que relevância pode ter mencionar tais contactos.
24. Se estas cautelas fossem dispensáveis, podíamos com toda a facilidade cair num verdadeiro Estado Policial clandestino : X sob escuta contacta Y. Y é colocado sob escuta e fala com Z . O que leva a colocar Z sobre escuta e assim sucessivamente.
25. No caso em apreço, foi o que se passou. O Dr. Ferro Rodrigues estava sob escuta; o Dr. António Costa foi escutado a falar com o Dr. Ferro Rodrigues sobre uma reunião com o Bastonário da Ordem dos Advogados; a existência da conversa e as conclusões que dela tirou o Dr. António Costa foram trazidas às contra-alegações do MP para o Tribunal da Relação. E isso aconteceu por ter sido entendido pelo Magistrado do MP que eram factos que contribuíam para justificar a prisão preventiva do Dr. Paulo Pedroso, pois se assim não fosse teriam o mesmo fim que, por hipótese, referências a conversas do Dr. Ferro Rodrigues com a sua Mulher a dias ou sobre ela: o caixote de lixo da História. E com conversas com o Presidente da República, o Ministro Morais Sarmento, o Professor Rebelo de Sousa e outras entidades passou-se algo de equivalente. [...]
34. Por tudo isto é possível afirmar que o Magistrado do MP não devia ter incluído em peças processuais e muito menos transcrever em contra-alegações referências a conversas ou tentativas de conversas com o Presidente da República, o Ministro Morais Sarmento, o Presidente da Câmara de Lisboa, o Professor Rebelo de Sousa e até o Bastonário da Ordem dos Advogados. E que não deveria ter transcrito frases do Dr. Ferro Rodrigues, em que ele - naturalmente em estado de forte tensão - usou expressões desprimorosas para o instituto do segredo de Justiça, o sistema das escutas telefónicas e até para Magistrados.

O Ministério Público actua convicto de que tem os mesmos poderes da PIDE e da Gestapo [entrevista a Pires de Lima, ex-bastonário da Ordem dos Advogados]
P. - Em que é que a prática tornou perversa a relação entre a magistratura judicial e a do MP?
R. - O MP está a fazer uma investigação quatro meses, sete meses, o tempo que quiser: e depois dá 48 horas ao juiz, depois da detenção, para avaliar. O juiz - que nessas 48 horas tem de úteis cerca de dez - não pode ler cinco mil páginas, ou lê-as muito sesgadas. Isto tem alguma realidade!? Nenhuma!!

P. - O que é que deve prevalecer nesse caso: os direitos constitucionais do arguido, ou a convicção do MP?
R. - O juiz, num caso desses, não tem outra saída senão acreditar na supra-dita independência e na capacidade do MP. Ele não pode ver mais do que um resumo do que se investigou - e o resumo está na exposição do MP. Quando o MP ou a polícia prende alguém às oito horas da manhã e essa pessoa é apresentada ao tribunal no dia a seguir às três horas da tarde, como é que o sr. juiz pode até às oito horas da manhã do dia seguinte decidir contra o pretendido pelo MP?

P. - Está a dizer que, muitas vezes, os direitos dos arguidos não estão garantidos durante a fase de inquérito?
R. - Não estão. O juiz, salvo raríssimas excepções, não tem capacidade humana para ponderar todos os factos relevantes para a decisão. E, por outro lado, não tem meios: se lhe for apresentado um indivíduo por ter roubado telefonias de automóveis, devido a ser drogado e a necessitar disso para satisfazer um vício que é uma doença, o juiz não tem nenhum sítio para onde o possa mandar tratar-se. Só o pode mandar para a cadeia. Por isso o juiz está frustrado, por natureza, nas suas funções.

P. - Qual é o momento fulcral da perversão que se criou? A reforma do Código de Processo Penal e o aumento dos poderes do MP nos governos de António Guterres?
R. - Não se pode dizer "foi neste momento". A própria legislação facilitou uma prática que se afastou daquilo que o Tribunal Constitucional vem agora dizer ser essencial: o arguido tem o direito de saber tudo o que consta a respeito dele a partir do momento em que é detido, ou quando vai ser preso preventivamente. Isto é assim mesmo! Não pode deixar de ser!! Não deveria passar pela cabeça de ninguém estar alguém preso sem saber das razões porque está preso, sem saber quem é que disse e sem saber o que disse. É inconcebível!! As alegações dos procuradores do processo da Casa Pia no Tribunal da Relação, reveladas esta semana pelo "24 horas", são a prova provada de que o MP actua na convicção de que tem os mesmos poderes que eram utilizados pela PIDE e pela Gestapo, designadamente quando revela uma total desconsideração pelos direitos dos arguidos.

P. - A forma como actuou não corresponde à lei?
R. - Que não corresponde à lei está dito agora pelo Tribunal Constitucional (pena é que tenha de ser ele a dizer uma coisa destas...). Eu, nestas circunstâncias, entendo que tudo é legítimo fazer para tentar esclarecer a situação. Por isso não me surpreende que se tenha dito, em casos pendentes, que determinados advogados lançaram a sua rede para obter informações. Eu, se estou convencido da inocência de um cliente e se ele me continua a garantir que não tem responsabilidade nenhuma num determinado facto, caso não lhe digam concretamente o que é que o levou para a cadeia, eu venho cá para fora e, como advogado, farei os impossíveis para descobrir isso.

20.10.03

BE suspeita de ilegalidade cometida nas escutas feitas no processo Casa Pia: O Bloco de Esquerda considerou segunda-feira que a divulgação de escutas telefónicas feitas a dirigentes socialistas, no dia da detenção de Paulo Pedroso (21 de Maio), constitui uma "ilegalidade" cometida por alguém da Polícia Judiciária ou do Ministério Público.
Em declarações à agência Lusa, o deputado Francisco Louçã afirmou ser "inaceitável" a divulgação das escutas telefónicas, "porque o processo judicial tem de estar acima de qualquer suspeita".
"Ou a divulgação foi feita por algum investigador da Polícia Judiciária que ficou com uma cópia das escutas e as divulgou nos jornais - o que é um crime -, ou foi um magistrado que fez isso, o que também é gravíssimo", observou Francisco Louçã.
"É altura de perguntarmos se não está em curso uma estratégia para ferir a credibilidade da justiça portuguesa", acrescentou Francisco Louçã.

6.10.03

Controlo de escutas deve ficar só com magistrados: As regras das escutas telefónicas têm de ser alteradas. Quem o defende é Noronha Nascimento.
O magistrado, na entrevista ao DN, propõe que seja criada uma central única no País onde sejam realizadas as intercepções, estando os polícias permanentemente supervisionados por juízes de instrução. Caberia a estes, na opinião do vice-presidente do CSM, ordenar as escutas, controlá-las e decidir o que deve ser transcrito, ordenando o envio imediato para o respectivo processo de tudo aquilo que considerarem útil para as investigações.

3.10.03

Três perguntas a Miguel Macedo, Secretário de Estado da Justiça: "Estamos a estudar a hipótese de o sistema estar ligado a um GPS" [...]
Nós começámos já a estudar a hipótese de o sistema estar ligado a um GPS [controlo por satélite], que permite outra flexibilidade. A ideia é que quem está sujeito a uma medida destas possa ir à escola ou para o emprego e a associação a um sistema GPS permite monotorizar os movimentos e registar as horas de entrada e saída no trabalho ou na escola.

1.10.03

Bastonário quer controlo político nas investigações: A Ordem dos Advogados quer as investigações criminais mais controladas pelo poder político. O bastonário, em texto ontem divulgado com vista a preparar o Congresso da Justiça, afirma que «a investigação criminal é decidida por muitas e variadas entidades, nem sempre no inequívoco respeito pela Constituição».
José Miguel Júdice, lembrando que é o Ministério Público (MP) quem dirige a investigação criminal , defende que devem ser reforçados os poderes do Conselho Superior que supervisiona aquele órgão, assim como o papel que nele tem de desempenhar o Ministro da Justiça. «Os sucessivos Governos não exercem os poderes constitucionais no âmbito do CSMP», afirma.O bastonário é também de opinião que «a Assembleia da República, através da 1ª comissão, deve fazer um controle público do respeito da liberdade na investigação, dentro das competências que a legitimidade democrática justifica». Tudo isto em nome da transparência porque, conforme refere, «muita investigação foge à direcção e ao controlo do MP».
Neste sentido, considera que é necessário clarificar a dependência hierárquica do Polícia Judiciária (PJ) relativamente ao MP, propondo que os inspectores daquela força de investigação sejam nomeados entre os magistrados deste órgão. Refere ainda que os juízes deveriam desaparecer das direcções da PJ e que cessassem os poderes de investigação atribuídos à PSP e à GNR, ficando tudo sob o controlo directo do MP, sendo este fiscalizado pelo respectivo Conselho Superior.
Num texto que protagoniza uma autêntica revolução no sistema judicial, José Miguel Júdice defende ainda a criação da profissão de detective privado com competência para investigação de certo tipo de crimes por mando do advogado do ofendido. Propõe também que a acusação possa ser deduzida pelo advogado do ofendido em crimes de menor intensidade e que os queixosos passem a pagar uma taxa moderadora.